Minha História: Do Caos ao Entendimento – Um Relato Pessoal Sobre Transtorno Bipolar e Superação
Meu nome é Marcos, tenho 60 anos, e carrego nas costas uma história difícil desde a infância. Cresci em um lar conturbado, com um pai alcoólatra e uma mãe com transtorno de personalidade esquizóide — ela nunca aceitou o diagnóstico, muito menos qualquer forma de tratamento. Foi nesse ambiente frio e hostil que aprendi a me calar, a engolir sentimentos, a sobreviver emocionalmente.
Infância em silêncio e exclusão
Vivi os anos duros da ditadura militar, um tempo em que tudo era silêncio e rigidez. Como nunca me encaixei nos padrões da época, sofri bullying desde cedo. Aos 11 anos, fui diagnosticado com miopia e astigmatismo, e usar óculos naquela época era quase uma sentença. Passei a ser chamado de “morcego”, “cego”, entre outros apelidos cruéis.
Além disso, eu não era uma criança bonita — e isso pesava. Sentia-me completamente deslocado, até mesmo dentro da minha própria casa. Era desajeitado, calado, tristonho. A alegria só dava as caras duas vezes ao ano: no Natal e no meu aniversário, quando alguns parentes se lembravam que eu existia.
Primeiros sinais de sofrimento psicológico
Por volta dos 15 anos, pensei pela primeira vez em tirar minha própria vida. Não lembro exatamente o motivo, mas foi algo que minha mãe me acusou injustamente. Aquilo me doeu fundo. Segui nessa vida emocionalmente quebrado até os 17, quando veio um baque ainda maior: vi meu pai morrer praticamente nos meus braços, vítima de um infarto fulminante.
Aquilo me derrubou de vez. Fiquei mais de um ano em uma tristeza profunda, sem saber como sair do buraco. Pensamentos obscuros me acompanhavam dia e noite.
Vício como fuga do caos interior
Aos 18, sem conseguir me encaixar em nenhum grupo, comecei a beber. Não era socialmente, era para apagar tudo. Bebia até vomitar, até não lembrar o que me fazia sofrer. Aos 19, vieram as drogas. E assim levei minha vida até os 32 anos, em 1996.
Nessa altura, já estava casado com uma mulher que eu não amava, mas que me fazia sentir menos só. Minha vida era um caos completo: afundado no vício, desempregado, odiado por muitos parentes que me viam como “o maluco drogado”. Chorava sozinho com frequência, e do nada podia ser tomado por uma energia maluca para fazer algo grandioso — ou então sair para comprar pão e arrumar três brigas no caminho, sem nem saber por quê.
O ponto de virada: Narcóticos Anônimos
Foi nesse cenário que, no dia 18 de novembro de 1996, entrei para o grupo Narcóticos Anônimos e parei de usar drogas e álcool. Levei a sério minha recuperação. Com a ajuda do meu padrinho de NA, comecei a aplicar os 12 passos e a prestar serviços voluntários. Mas, mesmo limpo, algo dentro de mim ainda parecia quebrado.
Eu já estava em outro relacionamento, minha nova esposa estava grávida e eu estava apaixonado. Mesmo assim, minhas atitudes eram, muitas vezes, impulsivas e destrutivas. Explodia do nada com quem eu amava, e depois vinha o arrependimento, a culpa, a tristeza profunda. Acordava de madrugada chorando, sem entender o motivo.
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O primeiro passo rumo ao diagnóstico
Formei-me técnico em informática e ganhei meu primeiro computador: um Pentium 166. Nele comecei a buscar respostas sobre meu comportamento. Encontrei informações sobre transtornos emocionais e percebi que muitos sintomas batiam com os meus. O problema era que alguns se encaixavam em diferentes diagnósticos, o que só aumentava minha confusão.
Com dois anos de sobriedade, decidi procurar um psiquiatra. Estava muito nervoso na primeira consulta. Recebi um questionário extenso, que dizia ser importante responder com honestidade — e foi o que fiz.
O diagnóstico: transtorno bipolar
Após uma longa espera, fui chamado. Expliquei ao médico que era adicto em recuperação e que suspeitava ter TDAH, por causa da minha agitação constante. Mas, ao analisar o questionário, ele me disse que, na verdade, o mais provável era que eu tivesse Transtorno Bipolar do Humor.
Aquilo me atingiu como um soco no estômago. Senti um misto de medo, tristeza e negação. Fiquei mal, entrei em depressão por algumas semanas. Mas alguns meses depois, o diagnóstico foi confirmado.
O que é Transtorno Bipolar? Entenda de forma clara
Entendendo quem eu sou
Hoje, compreendo muito mais sobre quem eu sou. Ao contrário do que muita gente pensa, o diagnóstico não me prendeu. Pelo contrário, ele me libertou. Foi a partir dali que entendi que meus altos e baixos não eram fraqueza ou falta de caráter — eram sintomas de algo real, que exigia cuidado, tratamento e paciência.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o TBH afeta cerca de 45 milhões de pessoas em todo o mundo. Saber disso me fez perceber que eu não estava só. Que havia caminhos possíveis.
Este blog como extensão do meu processo
Este blog é uma continuação da minha recuperação. Aqui, compartilho aquilo que vivi, o que aprendi, o que ainda estou aprendendo. Não escrevo como especialista técnico, mas como alguém que sentiu, na pele e na alma, as dores e descobertas desse caminho.
Conheça o propósito do blog Viver Bipolar
Você não precisa passar por isso sozinho
Se você está lendo este texto e vive algo parecido, saiba que existe saída. Existe tratamento. Existe rede de apoio. E existe vida depois do diagnóstico. Eu sou a prova viva disso.
Este é um espaço também para você. Para quem quiser dividir suas lutas, suas vitórias, seus processos. Porque ninguém precisa passar por tudo isso sozinho.
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