O Lado que Poucos Falam: Quando a Realidade Escapa por entre os Dedos no Transtorno Bipolar
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| Psicose na Bipolaridade |
Tenho 60 anos e convivo com o Transtorno Bipolar do Humor (TBH) há pelo menos 23. Nessa caminhada, aprendi que existem muitos Brasis dentro de um só diagnóstico. O meu é o tipo 2, onde os ventos da hipomania sopram forte, mas sem chegar ao furacão. Mas hoje quero falar de um território que, por graça, nunca precisei pisar, mas que conheço de ouvir relatos e estudar muito: a psicose no transtorno bipolar tipo 1.
Sabem aqueles filmes em que o personagem percebe que está sonhando e tenta acordar? Um surto psicótico é o contrário disso. É quando a mente decide que o pesadelo é a realidade, e não tem como apertar o botão de voltar. É assustador. E é sobre isso que vamos conversar.
O Que Acontece Quando a Mente Desencaixa?
A Dra. Holly Swartz, uma psiquiatra que entende disso como poucos, explicou de um jeito que me fez entender: durante a mania do tipo 1, algumas pessoas podem "ter dificuldade em distinguir entre o que é real e o que não é real, ouvindo vozes ou sentindo paranoia".
Isso não é fraqueza. Não é falta de caráter. É o cérebro, sob um estresse brutal, começando a transmitir em uma frequência que ninguém mais sintoniza. É como se o meu rádio interno, que já é naturalmente desregulado, de repente captasse todas as estações ao mesmo tempo, em volume máximo, e ainda misturasse com vozes de comando. A pessoa não está "inventando"; ela está vivendo uma realidade paralela que, para ela, é a única que existe.
Os Sinais que Gritam (e que Muitos Ignoram)
Num episódio assim, a mente pode pregar duas peças principais:
- As Vozes da Cabeça Alheia (Alucinações): A pessoa ouve coisas. Sussurros, comentários, ordens. Coisas que ninguém mais ouve. É um som real, vindo de dentro para fora.
- As Certezas que Não São Só Suas (Delírios): Aqui, a pessoa se agarra a uma crença com uma força que nenhum fato consegue abalar. Pode achar que é uma figura divina, que tem milhões no banco, ou – e isso é mais comum e angustiante – que está sendo perseguida, que há uma conspiração contra ela.
A Dra. Swartz foi certeira ao dizer que "se este episódio te leva para o hospital, é, por definição, mania, não hipomania". A psicose é um sinal de gravidade. É a mente pedindo socorro de um jeito que não pode ser ignorado.
O Que Pode Apertar o Gatilho?
Na minha experiência, sempre há um gatilho. No tipo 1, com a psicose, não é diferente. A Dra. Swartz citou alguns que ressoam com o que sei:
- A Química da Confusão: Há uma bagunça nos neurotransmissores, principalmente na dopamina. É como se o sistema de "recompensa" e "alerta" do cérebro entrasse em curto-circuito, fazendo com que ele veja perigo e significado em tudo, até no que não existe.
- As Substâncias que Desequilibram Tudo: Ela foi direta: "Produtos de cannabis são notórios por desencadear episódios". Me lembra minha juventude, onde não sabia parar. Para quem tem a vulnerabilidade, é uma roleta-russa.
- A Noite em Claro: A "diminuição da necessidade de dormir" é o gatilho mais traiçoeiro. É aquele que parece um superpoder, mas é a rampa de lançamento para o abismo. Sem o freio do sono, a mente acelera até sair dos trilhos.
O Caminho de Volta para Casa
Aqui, a mensagem precisa ser de esperança. Porque existe saída. O surto psicótico é tratável.
1. Os Remédios que Recolhem os Cacos
O primeiro passo é farmacológico, e não tem vergonha nisso. São os medicamentos que vão acalmar a tempestade química no cérebro.
- Antipsicóticos: Eles agem naquele sistema de dopamina desregulado, ajudando a "abaixar o volume" das vozes e a clarear os pensamentos.
- Estabilizadores de Humor: O lítio, o "velho conhecido" de todo bipolar, continua sendo uma âncora poderosa, ajudando a prevenir que novas tempestades se formem.
2. A Terapia que Reconstrói os Alicerces
A medicação apaga o incêndio, mas a terapia ajuda a reformar a casa. A Dra. Swartz é especialista numa abordagem que fez muito sentido para mim: a Terapia Interpessoal e de Ritmo Social (IPSRT).
Ela disse que a intervenção "combina a parte interpessoal e a terapia de ritmo social". Na prática, a parte do ritmo social é o que eu, no meu tipo 2, faço instintivamente para me manter são: criar uma rotina de ferro.
É acordar no mesmo horário, comer, tomar o remédio e fazer as coisas sempre nos mesmos turnos. Até nos fins de semana. É chato? É. Mas é esse tédio saudável que dá ao cérebro a previsibilidade que ele precisa para não se perder. É a âncora que impede o navio de ser arrastado pelo furacão.
A Mensagem que Fica
Conviver com o transtorno bipolar, seja qual for o tipo, é aprender a navegar em um mar que pode ficar bravo sem aviso. A psicose é a tempestade mais aterrorizante desse mar.
Mas a fala final da Dra. Swartz ecoa em mim: "Este é um distúrbio que pode ser controlado. Há muitas pessoas por aí vivendo bem com o transtorno bipolar... você pode viver bem".
Um surto psicótico não é o fim da linha. É um capítulo brutal, assustador, mas é apenas um capítulo. Com o tratamento certo – a combinação de remédios, terapia e uma rotina que funcione como um abraço firme – é possível encontrar a calmaria novamente. A pessoa não é definida pelo seu surto, mas pela coragem incansável de querer voltar para si mesma.
Para Quiser se Aprofundar (As Fontes que Usei):
- O manual que os psiquiatras usam (DSM-5) para fechar o diagnóstico.
- International Society for Bipolar Disorders (ISBD) – Um site com informações sérias, citado pela própria Dra. Swartz.
- Aliança de Suporte a Depressão e Bipolar (DBSA) – Tem grupos de apoio que são uma tábua de salvação.
- Site da Terapia de Ritmo Social (IPSRT) – O lugar para entender melhor a terapia que a dra. recomenda.
