Entendendo o Transtorno Bipolar Tipo 2

TAB tipo 2

Entendendo o Transtorno Bipolar Tipo 2

1. O dia em que tudo começou a fazer sentido

Quando o diagnóstico chegou, eu não sabia se chorava de medo ou de alívio

Desde que fui diagnosticado com o Transtorno Afetivo Bipolar do tipo II, minha vida passou por um verdadeiro turbilhão. No começo, confesso que fiquei mais confuso do que aliviado. Era como se alguém tivesse me dito que todas as minhas dores tinham uma explicação — mas, ao mesmo tempo, essa explicação vinha carregada de medo, preconceito e muitas dúvidas.

Até os meus 37 anos, eu acreditava que o jeito como eu sentia as coisas era simplesmente parte da minha personalidade. Que ser intenso, emocionalmente instável e às vezes muito “pra cima” ou completamente “pra baixo” era só o meu jeito de viver. Mas fui comparando meu comportamento com o das outras pessoas, e comecei a perceber que havia algo de muito diferente. Reações que para outros duravam dias, em mim duravam meses. Alegrias se transformavam em obsessão. Tristezas me afundavam até eu perder o gosto pela vida.

Ao longo do tempo, comecei a entender que eu precisava conhecer muito bem a minha condição. O diagnóstico não era um rótulo — era uma chave. Uma chave para me compreender melhor, para buscar ajuda, para me tratar e, principalmente, para evitar cair nas armadilhas que a bipolaridade tipo II costuma preparar para quem vive no escuro.

2. O ciclo cruel: da euforia à devastação

Euforia? Não. Hipomania. E ela cobra caro.

É muito difícil explicar para alguém o que é estar hipomaníaco. Porque, num primeiro momento, parece ótimo. A gente acorda cedo, cheio de energia, cheio de ideias, criatividade a mil, rindo à toa, cheio de planos. Tudo parece fazer sentido. Tudo parece urgente. A cabeça gira tão rápido que é difícil acompanhar os próprios pensamentos. As pessoas até elogiam: “Nossa, como você está produtivo!”. Mas por trás dessa “produtividade” tem algo perigoso acontecendo.

No meu caso, quando eu estava nesse estado e ainda não sabia o que era, eu aproveitava esse “gás” para fazer tudo ao mesmo tempo. Topava projetos insanos, fazia compras impulsivas, me envolvia emocionalmente com pessoas de forma intensa e rápida. Se eu estivesse usando drogas, então, a coisa piorava ainda mais. A hipomania alçava proporções estratosféricas, e depois vinha o preço: uma queda livre, uma espiral depressiva que me engolia vivo por meses.

Quando a tristeza deixa de ser comum e vira um buraco sem fundo

A depressão no Transtorno Bipolar Tipo 2 não é apenas tristeza. É um estado de exaustão física e mental. Eu já cheguei a ficar mais de seis meses em depressão profunda. Não conseguia levantar da cama, tomar banho era uma batalha, comer era por obrigação. Os pensamentos se tornavam escuros, e tudo parecia pesado, inútil, sem saída.

As pessoas ao redor não entendiam. Achavam que era preguiça, falta de força de vontade. Mas não era isso. Eu queria melhorar, queria reagir, mas era como estar trancado por dentro. E o mais difícil era saber que, em algum momento, eu já tinha me sentido no topo do mundo — e agora, nem a luz do sol fazia sentido.

3. O impacto do diagnóstico: o que muda depois de saber a verdade

Aceitar que é bipolar não é se render — é o começo da liberdade

Depois de receber o diagnóstico, veio um momento de negação. Eu não queria ser “doente”. Tinha medo de perder minha “essência”. Mas, aos poucos, percebi que minha essência estava justamente em ser quem eu sou, e não no que o transtorno me fazia ser sem controle.

Foi difícil aceitar que parte daquilo que me fazia intenso também era parte da doença. Mas com o tempo, fui entendendo que o tratamento não me tornaria uma pessoa fria ou sem emoção. Ao contrário, me ajudaria a ser uma versão mais equilibrada de mim mesmo. E isso, sinceramente, salvou minha vida.

O erro fatal de parar a medicação sem orientação

Como muitos que convivem com o TAB II, eu cometi o erro clássico: parei a medicação por conta própria. Senti que estava “bem”, que “não precisava mais”. E foi aí que tudo desabou de novo.

As crises voltaram com força total, e demorou muito mais tempo para me estabilizar. Aprendi da forma mais dolorosa que estabilização não é cura. E que medicação não é prisão — é alicerce.

Falei sobre isso também no meu artigo "Como saber se estou entrando em uma crise?", que mostra sinais sutis e como eu os reconheço hoje.

4. Caminhos que encontrei para seguir em frente

A terapia me ajudou a olhar para mim com menos julgamento

A psicoterapia mudou minha vida. No começo, fui buscando respostas. Queria entender o que havia de errado comigo. Mas com o tempo, fui entendendo que não se tratava de certo ou errado — e sim de cuidar, de acolher, de reorganizar.

Com a ajuda da minha terapeuta, comecei a resgatar partes de mim que estavam soterradas pela vergonha, pelo medo e pela culpa. Entendi que eu não era o transtorno. Que eu sentia tudo de forma muito intensa, sim, mas que isso podia ser canalizado de maneira mais saudável.

Transformando a hipomania em uma aliada (sem deixar que ela me destrua)

Hoje, quando percebo que estou entrando em um estado hipomaníaco, não me deixo mais levar pelo impulso. Ao contrário, uso essa energia de forma consciente. Aproveito para escrever, para criar, para produzir — mas com limites. Tenho um plano de contenção: horários de sono respeitados, alimentação equilibrada, nada de decisões impulsivas, acompanhamento rigoroso com o psiquiatra.

Não é fácil. Exige disciplina e vigilância constante. Mas é possível. E o mais importante: vale a pena. Porque cada vez que eu consigo atravessar uma fase dessas sem me destruir, eu sinto que estou me conhecendo melhor e vivendo com mais dignidade.

5. A importância de informar e acolher

Quando entendemos o transtorno, criamos pontes em vez de muros

O que mais me doeu durante anos foi o julgamento. Ser chamado de instável, de exagerado, de irresponsável. Ouvir que era “frescura”, “drama”, “preguiça”. E pior: começar a acreditar nessas coisas.

Mas a verdade é que o Transtorno Bipolar Tipo 2 é uma condição séria, clínica, neurológica. Não é falta de caráter. Não é desculpa. E quanto mais a gente fala sobre isso de forma honesta, menos espaço existe para o preconceito.

Hoje, faço questão de compartilhar minha vivência. Não porque eu tenha todas as respostas, mas porque sei o quanto teria me ajudado ouvir alguém dizendo: “Eu sei o que você está passando. Você não está sozinho.”

Para quem foi diagnosticado agora: você não está sozinho

Se você está lendo este texto e foi diagnosticado há pouco tempo, eu quero te dizer algo com todo o coração: vai ficar tudo bem. Não de forma mágica, nem sempre rápida. Mas possível.

Você vai aprender a reconhecer seus ciclos. Vai tropeçar às vezes, sim. Mas vai aprender a se levantar com mais consciência. Vai montar uma rede de apoio. Vai errar e recomeçar. Vai ter dias ruins. Mas também vai ter dias bons. E isso, para quem já esteve no fundo do poço, é mais do que suficiente para continuar lutando.

Leia também o artigo "O que é o Transtorno Bipolar do Humor?" para aprofundar esse entendimento, se ainda estiver no começo da jornada.

Fontes científicas utilizadas

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