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Frances Farmer |
Como já mencionei antes em outro post falando sobre parte da minha vida, eu em minha infância conheci os horrores dos manicômios desde a minha infância, pois ia pelo menos duas vezes na semana com a minha avó no complexo manicomial conhecido como Colônia Juliano Moreira que hoje se transformou em um bairro em Jacarepaguá no Município do Rio de Janeiro. Ele tinha 7Km quadrados, era realmente do tamanho do bairro de Copacabana, com vários pavilhões que eram divididos por sexo, tipo de doença, periculosidade, etc...
Vi muitos dos internos sendo espancados pelos funcionários no meio da rua, sem nenhum disfarce ou vergonha. Eram realmente tratados como animais. Se não tivesse ocorrido o Movimento Antimanicomial que nasceu na década de 70, e a reforma Pisiquiátrica, formalizada pela Lei 10.216/2001, chamada de Lei Paulo Delgado, eu poderia ser um desses pacientes hoje.
Os portadores de PMD (psicose maníaco depressiva), que era como a medicina chamava o Transtorno Bipolar eram invariavelmente internados nessas instituições pelos familiares ou pelo próprio sistema legal e acabavam por ficarem esquecidos por lá até a morte, muitos por suicídio.
Eu vi muita coisa ruim com meus próprios olhos e hoje espero realmente que este tipo de tratamento não ocorra mais, apesar de ainda sermos bastante estigmatizados e discriminados pela sociedade em geral, que prefere fingir que não existimos.
Não se fala no assunto, exceto se for para ganhar views ou vender matérias jornalísticas escandalosas ou fazendo parte de creepypastas. Isto quer dizer que ainda somos objetos para saciar gostos duvidosos da sociedade em geral.
Com este post estarei abrindo as cortinas para um universo que precisamos falar, mas que ninguém quer. Profissionais de saúde têm vergonha desse passado, mas uma coisa que aprendi na vida é de que se não lembrarmos e revisitarmos eventos tristes da humanidade, tendemos a repeti-los.
Eu começo hoje pela triste história de uma mulher que foi diagnosticada à época como PMD e depois como Esquizofrenia. A esquizofrenia veio já bem perto do fim de sua sofrida vida e muito provavelmente por causa dos maus tratos sofridos por ela. Estou falando da atriz estadunidense Frances Farmer.
O Brilho Inquieto de uma Alma Incompreendida
Frances Elena Farmer não era apenas mais uma atriz. Ela era um furacão de talento e independência que nasceu em 1913, em Seattle, e desde cedo mostrou que não se encaixaria nos moldes estreitos que a sociedade reservava para as mulheres. Enquanto outras estrelas de Hollywood sorriam e acenavam, Frances questionava. Enquanto outras se submetiam, ela se rebelava. Essa recusa em se curvar não era "mau comportamento" - era a essência de quem ela era. E numa época que não tolerava mulheres que pensavam por si mesmas, essa essência seria usada contra ela.
Hollywood: O Sonho que Virou Prisão Dourada
Quando assinou com a Paramount em 1935, Frances deveria estar vivendo o sonho. Mas para ela, Hollywood era uma fábrica de ilusões que exigia a alma em troca do sucesso. Ela se recusava a participar daquela farsa - dos eventos superficiais, das fotos posadas, da personalidade fabricada que os estúdios exigiam. E por ousar ser autêntica, por tentar manter sua integridade num sistema corrupto, foi marcada como "difícil", "problemática", "rebelde".
A pressão constante para se tornar outra pessoa - alguém que não era - começou a cobrar seu preço. O mesmo sistema que explorava seu talento estava destruindo sua saúde mental, empurrando-a para um abismo de angústia e solidão.
O Diagnóstico que Selou um Destino: A Prisão da Mente
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Fraces Farmer ao ser presa e logo após internada |
O Rótulo da Loucura: Psicose Maníaco-Depressiva
Num tempo em que saúde mental era sinônimo de vergonha e segredo, o comportamento de Frances - sua paixão intensa, sua tristeza profunda, sua recusa em se conformar - rapidamente recebeu um rótulo: "psicose maníaco-depressiva". Esse diagnóstico não foi uma tentativa de entender ou ajudar, mas uma arma para silenciá-la. Era a justificativa "médica" para controlar uma mulher que ousava ser livre.
As Grades Invisíveis: Internação Compulsória
As internações de Frances não vieram de um pedido de ajuda, mas de uma decisão alheia. Sua própria família e o sistema legal a trancaram em instituições que não eram locais de cura, mas depósitos de pessoas indesejadas. Cada internação era mais um prego no caixão de sua liberdade, mais um pedaço de sua identidade sendo arrancado. A estrela que brilhava nas telas agora era apenas mais um número, mais um caso perdido em um sistema que não via seres humanos, apenas problemas a serem contidos.
O Inferno na Terra: Os Tratamentos Desumanos
Tortura em Nome da Cura: Eletrochoques e Insulina
Dentro daquelas paredes, Frances experimentou o verdadeiro horror. Os "tratamentos" eram torturas disfarçadas de medicina. Eletrochoques aplicados sem anestesia, convulsões violentas provocadas por choques de insulina - tudo para "quebrar" sua vontade, para destruir o que havia de único nela. Seu corpo era um campo de batalha, e sua mente, o inimigo a ser aniquilado. Tudo isso sem seu consentimento, sem dignidade, sem humanidade.
A Ameaça Final: A Lobotomia
O ápice da crueldade veio com a ameaça da lobotomia - um procedimento que literalmente destruía a personalidade, transformando pessoas em vegetais. Ainda hoje debatem se Frances realmente passou por isso, mas o fato dessa possibilidade sequer existir mostra a barbárie que era a psiquiatria da época. Lobotomia ou não, o resultado foi o mesmo: Frances foi sistematicamente desmontada, peça por peça, até não restar quase nada da mulher forte que havia entrado naquelas instituições.
O Legado de Frances Farmer: Um Alerta para o Presente
O Crepúsculo de uma Vida
Frances conseguiu sair. Conseguiu até trabalhar novamente na TV. Mas a Frances que emergiu daquelas instituições não era a mesma. Os anos de tortura institucionalizada haviam deixado marcas profundas. Quando morreu de câncer em 1970, aos 56 anos, partiu uma mulher que havia sobrevivido ao pior que o sistema podia fazer com alguém que não se encaixava.
O Eco do Passado no Presente
A história de Frances não é apenas uma trágica história do passado. É um espelho que reflete nosso presente. Ainda hoje, no Brasil e no mundo, pessoas com transtorno bipolar e outras condições mentais carregam o peso do estigma. Ainda somos vistos com medo e desconfiança. Ainda ouvimos perguntas como "quem é bipolar é psicopata?" como se fôssemos monstros, não pessoas.
A luta de Frances por dignidade é a mesma luta que travamos hoje - por aceitação, por compreensão, por tratamento humanizado. Sua história nos lembra que precisamos continuar falando sobre saúde mental, não como espetáculo ou curiosidade mórbida, mas como uma questão de direitos humanos fundamentais.
Precisamos lembrar de Frances não como uma vítima, mas como um alerta. Para que ninguém mais tenha que pagar com sua liberdade, sua identidade e sua sanidade por ser diferente.
Referências
- Frances Farmer - Wikipedia
- Frances Farmer - Biography - IMDb
- Alcohol, peleas y una lobotomía: la oscura historia de Frances Farmer
- The Tragic Downfall of Frances Farmer: A Hollywood Starlet's Struggle with Mental Health
- Frances Farmer e a castração do pensamento próprio - Ser Humana
- Frances Farmer, la actriz con problemas mentales cuya vida real ...
- Frances Farmer, la mujer rebelde a la que Nirvana veneró
- Frances Farmer, la actriz con carácter que acabó con una lobotomía
- Film Star Frances Farmer Is Jailed and Institutionalized - EBSCO
- Frances Farmer's Long Path to Peace - Kates-Boylston.com