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Transtorno Bipolar e o Isolamento |
Desde criança eu sempre fui muito solitário. Vivia bem isolado e quase não tinha amigos. Eram bem poucos, não passavam de dois, quando chegava a isso. Até na escola eu era assim. Me sentava na frente e sempre tentando me focar ao máximo na aula. No recreio geralmente tinha um ou nenhum colega junto comigo. Eu tentava me enturmar, mas tinha dificuldade de me comunicar, me entrosar e não tinha nada de especial que me destacasse dos outros. Eu sempre achei que pessoas que se enturmam era porque tinham algo de especial. Um amigo tinha TV a cores em casa, o outro o pai tinha um carro e por aí vai, mas eu não tinha nada, era feio, usava óculos, baixinho, família mais pobre da turma, não conseguia me comunicar direito e sofria muito bullying. Esta época foi muito difícil, mas acabei me acostumando e não ligando para a solidão e o isolamento.
Depois do falecimento do meu pai, vieram as drogas e com elas o isolamento diminuiu, pois quem usa tem uma turminha que está sempre junta todos os dias para usar e ficar doidão juntos. Mas mesmo depois disso, quando chegava em casa ia direto para o quarto e o isolamento voltava. Eu ficava sozinho, muitas vezes andava sozinho e falava muito sozinho. Na infância falava com o Johnny, meu amigo invisível, depois eu falava comigo mesmo. Ainda falo muito sozinho hoje.
Consegui me casar duas vezes e até hoje ainda não entendo realmente como consegui, pois meus relacionamentos sempre foram difíceis e complicados. Sabe aquela pessoa que tem o tal do “dedo podre”? Este sou eu e sendo assim, os dois casamentos faliram e ficaram os filhos, que amo demais. São três mas apenas um vive comigo e ele sofre de TDAH. Pois é, meu núcleo familiar de dois, tem duas pessoas que tem problemas de saúde mental.
Continuando, depois do diagnóstico, tratamento e terapia, o isolamento diminui um pouco, mas aí veio o fim do segundo casamento e mergulhei novamente no isolamento, passou um tempo e saí do isolamento. Mas quando achava que desta vez parecia que a vida estava sorrindo para mim, veio a pandemia e ela me destruiu. Meu isolamento total começou no início da pandemia e perdura até os dias de hoje. Acabei desenvolvendo um pouco de fobia social. Passo meses sem sair de casa e só saio quando é extremamente necessário. Sei que o isolamento faz parte do conjunto de sintomas do Transtorno Bipolar e é uma das coisas mais difíceis de lidar e resolver, porque depois que se acostuma com ele, é quase como se fosse uma droga.
Por isso estou escrevendo este post e pesquisando bastante sobre o assunto para mostrar pra vocês que o Transtorno Bipolar não é só altos e baixos, nem mania, hipomania e depressão ou ciclotimia. Temos também o isolamento e este é um dos aspectos mais cruéis do TAB, pelo menos para mim ele é terrível.
O que é o isolamento no transtorno bipolar?
Como ele aparece em episódios depressivos
No episódio depressivo do transtorno bipolar, a pessoa sente uma tristeza tão profunda que até conversar com os outros se torna difícil. A falta de energia, o desinteresse nas coisas que antes davam prazer — como brincar, conversar, sair — empurram a pessoa para dentro de si mesma. Ela passa a evitar os amigos, os passeios, até as conversas mais simples. Por exemplo, pode ignorar convites ou fingir estar dormindo só para não responder mensagens. Isso é um isolamento ativo e doloroso.
Quando aparece em mania ou hipomania
Já nos episódios de mania ou hipomania, acontece algo diferente: a pessoa pode estar cercada de gente, mas mesmo assim se sentir sozinha. Impulsividade, irritabilidade ou até falas rápidas demais acabam afastando as pessoas. Às vezes, amizades se desgastam por brigas ou mal-entendidos, e a pessoa se vê sem apoio — mesmo estando, tecnicamente, “entre os outros”. E isso conta como isolamento também.
Por que o isolamento no transtorno bipolar é tão cruel?
Impacto nos relacionamentos e família
O isolamento não é algo individual — ele arrasta a vida social com ele. Familía se distancia, amizades esfriam, e os relacionamentos amorosos ficam fragilizados. Em muitos casos, parentes ou parceiros se cansam da instabilidade emocional ou da distância constante, o que gera ressentimento, mágoas ou afastamento. Essa solidão impacta diretamente a vida familiar e afasta quem poderia ser apoio.
Efeito de espiral crescente: solidão e piora dos sintomas
A solidão e o isolamento funcionam como espiral: quanto mais isolado, mais os sintomas pioram — e quanto pior os sintomas, maior o isolamento. Alguns estudos apontam que essa solidão pode aumentar a instabilidade emocional e dificultar a recuperação. Ou seja, a pessoa fica presa numa armadilha, sentindo-se sozinha e vista como se estivesse sempre se afastando por escolha própria. (Healthline)
Estratégias para enfrentar o isolamento — lento, humano, sustentável
Pequenos passos para recomeçar o contato com os outros
Reconectar aos poucos ajuda a retomar laços sem pressão. Pode ser enviar uma mensagem curta para alguém de confiança, participar de um grupo online, mesmo sem falar nada, ou marcar uma pequena caminhada com um amigo. Essas ações são simples, mas fazem uma diferença enorme, pois mostram que há desejo de voltar à convivência. Uma terapia pode ajudar a planejar esses passos e lidar com o medo que surge ao tentar se abrir novamente. (Healthline)
Terapia, apoio e rotina como aliados do bem-estar
A terapia tem um papel duplo: acolher a pessoa e ajudar a reorganizar a vida. Grupos de apoio, presenciais ou online, oferecem o conforto de saber que outros convivem com as mesmas dificuldades. Junto a isso, manter uma rotina — horários regulares para sono, alimentação e atividades — ajuda o cérebro a encontrar um ritmo e minimizar os altos e baixos. Isso promove estabilidade emocional, melhorando a disposição para interagir com o mundo. (Healthline)
Um olhar mais humano — narrativas de quem vivencia o isolamento bipolar
Imagine como é sentir que ninguém te entende, mesmo quando você tenta explicar. A pessoa com transtorno bipolar vive alternando entre fases de hiperatividade e energia — e momentos em que mal tem forças para levantar da cama. Nesses dias mais difíceis, sair de casa, atender o telefone ou responder mensagem vira um peso enorme. A vergonha de dizer que está mal, o medo do julgamento e a sensação de “não vou atrapalhar” empurram a pessoa para a solidão voluntária.
Esse sentimento é especialmente cruel quando você já sofreu perdas — como a perda de alguém importante. A mistura de dor, isolamento e falta de rede de apoio pode reforçar a ideia de que “não tem ninguém que me entende”. Por isso, escolher compartilhar, mesmo que aos poucos e com cuidado, pode mudar algo dentro. Permitir que alguém saiba “hoje não estou bem”, já é um ato potente.
Conclusão — Sair do ciclo do isolamento é possível, passo a passo
O isolamento no transtorno bipolar não é apenas um detalhe — é uma das faces mais silenciosas e doloridas dessa condição. Ele aparece na depressão como fuga, na mania como desgaste, e nos intervalos como medo e vergonha. Mas a boa notícia é que existem estratégias reais, humanas e acessíveis para enfrentar isso:
- Reconectar aos poucos com o mundo.
- Usar terapia e apoio como ferramentas de retorno.
- Construir rotina e pequenos gestos diários que fortalecem a autoestima.
- Compartilhar aos poucos, respeitando os limites pessoais.
Você não está sozinho — mesmo nos dias em que sente estar por conta própria. Recuperar contato com o mundo pode começar com um passo simples, com alguém que escute. E esse passo já vale muito.
Referências usadas (Healthline)
- How Are Bipolar Disorder and Isolation Linked? — identificação das formas de isolamento em episódios e entre episódios, efeitos no bem-estar, estratégias para retomar convivência.
- Untreated Bipolar Disorder: Effects and Risk Factors — sobre isolamento em episódios depressivos, impacto na vida profissional, conjugal e social.
- 9 Treatments for Bipolar Disorder Depression — recomendação clara para evitar o isolamento durante a depressão, com sugestão de atividades sociais leves.
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