Não Existe 'Poção Mágica' para o Transtorno Bipolar

Poção Bipolar

O início

Quando se vive com transtorno bipolar, é importante entender que nenhum remédio sozinho pode mudar sua forma de pensar ou agir. Aprendi isso depois de vários erros cometidos durante o meu tratamento, e nem sempre foi da forma mais fácil. É preciso um esforço contínuo para manter o humor estável.


Meu pai foi a primeira pessoa que conheci que provavelmente possuia transtorno bipolar. Tinha altos e baixos de humor que iam desde crises depressivas com choro convulsivo, até episódios de euforia sem nenhuma explicação. Mas isto era tudo mascarado por seu consumo compulsivo de álcool. Eu era criança e não entendia o porquê deste comportamento e acabava sempre achando que algumas vezes era por culpa minha. Entretanto, nas vezes em que seu humor estava mais equilibrado, ele conseguia ser o pai mais amoroso e atencioso que alguém pudesse ter. 


Sempre comprava pra mim revistas em quadrinhos e as líamos juntos, me lembro sempre me trazia uma revista chamada “Recreio” em que havia tanto desenhos para colorir, quanto recortes que viravam brinquedos depois de montados. Quando podia trazia um Kit da Revell para montarmos juntos. Abaixo tem a imagem da última montagem que fizemos, não a original, claro, pois esta já não existe, mas eu encontrei uma imagem dela pela internet e é esta. Sinto saudades dele.

Nossa última montagem



Morando próximo do que hoje é conhecido como bairro Colônia Juliano Moreira, que à época não era um bairro mas um complexo manicomial de 7 km quadrados, que dá mais ou menos o tamanho do bairro de Copacabana. Nós convivíamos desde esta época com os pacientes deste complexo que era simplesmente chamado de Colônia.


Eles viviam perambulando pelas ruas. Só os que eram considerados pelos médicos da época como "pacientes calmos", geralmente eram os não esquizofrênicos e por isso tinham permissão de sair durante o dia para voltar à noite. Eram chamados de “Malucos da Colônia” pela população local.


Em uma época em que qualquer diagnóstico de “doença mental” trazia uma vergonha imensa, e tudo era tratado em 'segredo', mesmo se a pessoa apresentasse algum sintoma do que era chamado de “Psicose Maníaco-Depressiva”, que era como chamavam o TAB, Só se a pessoa tivesse um surto psicótico a levariam à um “Médico de Malucos” que eram como chamavam os Psiquiatras. Com meu pai não foi diferente, pois hoje sei que ele apresentava os sintomas de TAB do tipo 2 e no máximo ele ficava exaltado e cheio de energia (hipomaníaco). Quando isto acontecia ele procurava a bebida.


Não havia apoio, nem informação sobre o que era chamado de 'psicose maníaco-depressiva', ou transtorno bipolar. Não existia Google. Meu pai e o resto da família só sabiam o que vivenciavam, envoltos em sigilo e vergonha. 


Quando a depressão passava sozinha depois de dias ou meses, a vida voltava ao “normal”. Meu pai tomava fielmente sua cerveja, e a vida seguia. Tenho quase certeza de que ele nunca pesquisou sobre 'psicose maníaco-depressiva'. Minha mãe, menos ainda. Meu pai não foi diagnosticado e nunca cogitou fazer terapia.


Perda, Luto e o Aprendizado sobre o Transtorno Bipolar


A segunda pessoa que conheci com transtorno bipolar foi um companheiro de Narcóticos Anônimos. Ele foi diagnosticado nos anos 80 e lutou muito, tendo dificuldade em tomar os medicamentos. Infelizmente, e de forma dolorosa, ela faleceu por causa do transtorno bipolar em 1997.


Em uma sexta-feira, 12 de junho de 1981, meu pai morria de infarto fulminante aos 41 anos, diante dos olhos atônitos meus e de minhas irmãs. Foi algo totalmente desesperador e inesperado. Ficamos todos atordoados, chocados. Ele simplesmente caiu e se foi. Sem palavras, sem despedidas. Apenas se foi. Ele teria 85 anos hoje. Ele morreu com transtorno bipolar, e provavelmente por causa dele e do alcoolismo. E aprendi muito sobre como viver e como NÃO viver com essa condição.


Depressão Bipolar e a Força de Continuar


Uma das coisas mais importantes que aprendi observando meu pai lidar com suas mudanças de humor foi que a vida pode e deve continuar. Ele se reerguia depois de severos períodos de depressão e escolhia viver, mesmo sem diagnóstico e tratamento. Meu pai seguiu em frente. Ele viveu sua vida razoavelmente bem, apesar de ter um cérebro doente. No entanto, se ele tivesse tido um diagnóstico, acesso a terapia, mais conhecimento e apoio, não consigo nem imaginar o quanto a vida dele poderia ter sido melhor.


A Raiva no Transtorno Bipolar


Ele era 'da velha guarda', então nunca lidou com seus problemas emocionais. Era visível que, às vezes, seu humor ficava alterado e, em muitas outras, ele tinha crises de depressão. As oscilações de humor eram constantes. Era impossível fazê-lo falar sobre seus sentimentos ou humor, a menos que estivesse com raiva. E essa raiva podia ser incrivelmente intensa e imprevisível — nunca se sabia quando ela poderia 'explodir'.


Mudanças no Estilo de Vida, Dieta, Terapia e Remédios para o Tratamento Bipolar


Não consigo imaginar o quanto a vida dele poderia ter sido melhor se ele tivesse feito mais do que apenas beber até se embriagar. A forma como ele lidava com as mudanças de humor eram simples: tomar cerveja e seguir em frente. Durante muito tempo eu fiz exatamente igual, mas depois que parei com o álcool e as drogas, passei a fazer o mesmo com a medicação do meu tratamento. Mas não passava disso, não fazia mais nada. 


Ao longo dos anos, conheci muitas pessoas com transtorno bipolar, e acho curioso como tantos de nós tomamos os remédios como se fossem uma 'poção mágica' que vai resolver tudo, sem fazer a nossa parte de trabalhar junto com a medicação.


Eu mesma fiz isso nos primeiros seis anos após meu diagnóstico de transtorno bipolar. Tomava meus remédios fielmente, mas não mudava minha forma de pensar. Não alterei muitos dos meus hábitos, nem trabalhei nos meus gatilhos emocionais. Não aprendi a lidar melhor com o estresse e tinha pouco conhecimento do que poderia fazer para trabalhar além dos meus remédios. Apenas tomava a medicação e me esforçava ao máximo para seguir em frente. Mas 'me esforçar ao máximo' não funcionou muito bem. E seis anos após o diagnóstico, tive uma recaída emocional e me afundei em depressão. Se eu não tivesse tido essa crise, desconfio que ainda estaria tentando apenas seguir em frente.


Lidando com Emoções, Gatilhos e Estresse no Transtorno Bipolar


Foi por causa da minha crise que decidi ir mais fundo nas minhas questões emocionais. Queria entender a raiz do meu comportamento hipomaníaco e depressivo. Foi o trabalho mais difícil da minha recuperação e o é até hoje. E estou MUITO feliz por ter feito! Por quê? Porque estou livre de episódios há bastante tempo, vivendo bem apesar do transtorno bipolar, desde aquela recaída, que foi há quase 15 anos. Atribuo minha estabilidade ao fato de ter mergulhado nas profundezas das minhas questões emocionais e bagagens que carrego na cabeça, meus gatilhos, e ter aprendido a lidar com o estresse de uma forma muito mais saudável.


Claro, isso não significa que nunca terei outro episódio bipolar. Mas estou fazendo tudo o que posso para evitar qualquer interrupção ou episódio que mude a vida. Também estou comprometido em fazer a minha parte, como:


1.  Manter uma rotina bem regular;

2.  Ficar atento a qualquer pequena mudança de humor e/ou sensação de estabilidade, e agir se necessário;

3.  Gerenciar meu estresse;

4.  Superar meus gatilhos emocionais;

5.  Parar de culpar os outros e assumir a responsabilidade pelo que era 'mau comportamento'


Luto, Amor e Orgulho


Frequentemente me pergunto o quanto a vida do meu pai teria sido melhor se ele tivesse feito um tratamento e trabalhado com a medicação para melhorar seus relacionamentos; se ele tivesse sido tratado, aprendido a prestar atenção a qualquer mudança de humor. Não me entenda mal, a qualidade de vida dele poderia ter sido muito melhor se tivesse sido diagnosticado.


Apesar de meu pai poder ser um 'chato' de vez em quando, eu o amava. E sinto falta dele. Me pego pensando muito nele. Também me custa acreditar que ele se foi. Ele cumpriu sua jornada. E, apesar de nunca ter sido diagnosticado, ele nunca usou suas mudanças de humor como desculpa para nada. E quando eu me arrebentei na depressão, eu sei que ele ele teria me dado o maior presente que um filho poderia receber de seu pai.


Depois do meu naufrágio depressivo, meu pai colocaria as mãos nos meus ombros e diria: 'Não importa o que aconteceu, ou qual é o problema, você é meu filho. Eu te amo, e tenho orgulho de você.' Que presente valioso seria! Eu o valorizo muito hoje. Na minha situação mais desesperadora, ele me traria palavras de esperança e amor.


Sinto falta do meu pai. E me pergunto o quanto a vida dele — e a vida das pessoas ao seu redor — poderia ter sido melhor se ele tivesse sido diagnosticado e sido preparado  para lidar com o peso emocional, em vez de apenas tomar uma cervejinha como se fosse consertar o suas mudanças de humor como uma poção mágica. Não existem remédios que mudem sua atitude ou pensamento. A medicina só pode ir até certo ponto. O resto, eu e você temos que fazer. E é um trabalho árduo.


E você? Está fazendo o trabalho difícil que a medicina não pode fazer? Está trabalhando junto com seus remédios? Ou está esperando que eles resolvam todos os seus problemas? Sabe, mudar sua forma de pensar e agir não é fácil. E embora 'fazer a nossa parte' seja um processo contínuo, vale a pena todo o esforço! Se precisar de coragem ou encorajamento, me avise! Adoraria te apoiar!

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